quarta-feira, 24 de abril de 2013

Culinária Valeparaibana

Ruth Guimarães

Cupim é um inseto isóptero, da família dos térmitas que, como a formiga saúva, cria asas para o vôo de reprodução. Nessa oportuni­dade, faz a alegria dos pescadores. É a melhor das iscas, para a pesca do lambari e então chamado aleluia, siriluia, sará-sará. O ninho, de seu nome - cupim, montículo de barro amassado, endurecido e pratica­mente indestrutível, é uma fortaleza para os habitantes mirins. Tais construções sobem até mais ou menos 50 cm, mas podem atingir até três metros de altura. No Vale do Paraíba, os campos de criação de gado têm milhares de cupins ou cupinzeiros, feitos de terra misturada às plas­tas de estrume vacum. É uma praga. Nos cupins esvaziados de seus habi­tantes legítimos fazem ninho as cobras e as corujas, cada espécie por sua vez.

Quando abandonado pelos térmitas, o cupim foi chamado pela voz indígena: tacura e tocuruva ou tacuruva e tacuruba. Na Argentina, é chamado itacuru.

Os indígenas, especialmente os nhambiquaras, comiam as formi­gas dos cupins assadas ou cruas, aos punhados, como pipoca. No Vale do Paraíba de hoje não consta que tenhamos herdado esse hábito alimentar. Herdamos fins diversos para os cupinzeiros. Paulo Florençano noticia que três cupins formam uma trempe de cozer alimentos, com fogo de lenha. Tucuruba é o nome desse fogão formado de cupinzeiros dispostos em triângulo, com a abertura dos três para o lado de dentro. O que funciona mais ou menos como um puxador de ar, que oxigena e alimenta a labareda. Sobre a junção dos cupins coloca-se a panela de ferro de três pernas.

O barro trabalhado pelos térmitas atinge e retém as temperatu­ras mais altas, é refratário, não desmancha com água da chuva, nem de enchente, e nem se desgasta.

Eugênia Sereno, do Vale do Paraíba, cita em seu "O Pássaro na Escuridão":

"... sobre uma trempe de três pedras, no covo de uma panela de pedra preta..."

Como se vê, é uma variante da tucuruba, o triângulo, a forma, a disposição das pedras, um material natural pronto, que retém grande calor. Esse fogão também é comum na região, em principal nos dias de festa, pela necessidade de improvisar inúmeros fogões espalhados pelos terreiros, rápidos no fazer e fáceis no desmanchar. E econômicos, por­que aproveitam o material mais à mão. Usa-se, por exemplo, em Cru­zeiro, Lavrinhas, Queluz, fundão do Vale chamado, nos Santos Reis, que são festas de "dar comida pro povo".

Outra destinação do cupim é a feitura do forno ou fornalha, para assar caça e quitanda: broas, brevidades, biscoitos de polvilho, peixes grandes, recheados. Os técnicos rústicos fazem-no alto e ova­lado, com uma abertura somente, na base, por onde entra e sai o as­sado. Usam cupins despedaçados a picareta.

O forno, quando frio e em desuso, serve para pôr galinha para chocar.

Faz-se também forno de barro tratado à maneira chamada de taipa-de-pilão.

Usa-se em São Luís do Paraitinga, na festa do Divino Espírito Santo, um fogão feito de tijolões de barro batido com capim - o adobe. É circular. Vai do chão até uns 80 cm acima, tem uma bocarra de larga circunferência, onde se coloca um panelão de ferro, feito em funilaria e serralheria rústicas. A panela se afunda em pirâmide invertida, quase até o chão. O fogo é sustentado a lenha a noite inteira. Colo­cam-se ali até 600 kg de vaca, sem osso, mais água temperada que dê para cobrir a carne. O fogo não deixa de ser atiçado. De manhã, a carne está se diluindo, resta bastante caldo gorduroso. Come-se a carne e mais o caldo mexido com farinha grossa, torrada de farinha de mandioca. É o que se chama na região refogado e afogado.



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