sábado, 27 de abril de 2013

Só-Saci - Sociedade dos Observadores de Saci

Ruth Guimarães 

Toda a gente sabe que o Saci é preto, que tem uma perna só, que usa gorrinho vermelho, que fuma no cachimbo, que é moleque, que assobia e às vezes é um tapuio manco, com uma ferida em cada joelho. Quem nunca teve notícia dele, leia o Saci, de Monteiro Lobato. 

Ele pertence aos mitos da infância. Em todos os folclores vamos encontrá-lo menino traquinas, alegre, isento de maldade. Existem outros duendes brasileiros com essas mesmas qualidades e o mesmo vamos dizer carisma em popularidade do Saci. Não falamos do Negrinho do Pastoreio que é menos Saci do que Santo. E mártir ainda por cima, o que lhe empresta outro perfil e nos comove de outra maneira. Existe o São Campeirinho ou Campeirinho Negrinho, mais ou menos como o santo do Pastoreio. E o duende Januário que também encontra coisas perdidas, nas Missões, do Rio Grande do Sul. 

Saci, que esse diabinho com sua feição particular de autor de malfeitorias miúdas, está em todos os folclores. É um arquétipo por demais freqüente esse estranho ser imaginário, que não é bom nem mau, e sempre procede como criança travessa. É o Puck, da Inglaterra, Kobold na Alemanha, Troll, na Suíça, Goblin e Lutin, na França. Gnomo dos contos de Grimm (inspirador dos sete anões de Disney). Gnomo germânico do Reno. O Homenzinho Cinzento da Silésia. Follet, o demônio catalão. Blue Devil, escocês. Fradinho e Manquinho, em Portugal. Zangão, também luso. Mandinga e Saci, na América do Sul. Diabo Burlão nas Astúrias. Diabinhos são os Brownies irlandeses, os Anões da Bretanha, e os sátiros da mitologia grega. Em todos os povos usam eles gorrinhos vermelhos. Suas características são as mesmas do Saci: pequenos, vivazes, irrequietos, turbulentos, prestativos e leais. Na Espanha andam vestidos de vermelho. 

Fazem artes como qualquer criança. Provêm, quem sabe? do fogo, e têm do mito do fogo, a vivacidade: são vermelhos, chispantes, inquietos, como labaredas vivas. 

Estamos servidos de deuses populares que se misturam ao povão e são questionadores. Um desses santos, canonizados outra vez pelo povo, que lhes emprestou uma personalidade mais próxima da maneira de ser da sociedade em que vivemos é São Benedito. Santo birrento, quer porque quer ficar na frente de todos, quando sai a procissão. Conta-se e acredita-se que se ele não ficar com seu andor à frente de todos, chove. Daí se observar que o andor do santinho negro puxa a fila dos andores. A igreja fecha os olhos para essas ninharias populares, muito arraigadas, e assim é comum ver-se essa disposição, nas procissões. O costume faz a lei. Quem vai mudar nestas alturas o costume? Demais está aí o castigo: chove, e acaba a festa. 

Pois São Benedito certa vez deu uma ensinadela no Saci. Foi o seguinte: 

O Saci se pôs numa cabeça de ponte e toda gente que passava ele fazia tropeçar, escorregar, cair, qualquer coisa ruim. E depois ria a morrer. Quem andava por ali, ouvia o rumor das risadas, ecoando por entre os bambuais, planta de que o Saci gosta muito e que dizem foi o seu berço natural. Então, aconteceu que São Benedito precisou passar pela ponte e viu o coisinha, que é invisível para os outros, fazer tais proezas. Apanhou-o e o pendurou na grade da ponte, de cabeça pra baixo, e foi embora. E desde esse dia, de cabeça pra baixo, na ponte, pergunta a cada um que sucede passar por ele: 

- Vocês não viram o Benedito por aí? 

Nós, os observadores do Saci, que nele acreditamos, que com eles brincamos em pequenos, e que estamos dispostos a defendê-lo, somos chamados de saciólogos.

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