quarta-feira, 1 de maio de 2013

A arte de contar Histórias

Ruth Guimarães 

Eu recebi um e-mail do meu amigo Mário Candido, presidente da Sociedade Sosaci, que o recebeu do Mouzar, outro saciólogo (a minha cadeira é a de número 17, não sei se já falei), falando sobre o símbolo da Copa do Mundo de 2014; está longe, mas eles têm um pouco de pressa em começar a campanha. Eles estão com medo que os marketeiros e lobbistas queiram “inventar uma mascote besta que nem o tal de Cauê (aquele sol esquisito) dos Jogos Panamericanos. 

Que tal começarmos já uma campanha para que a mascote seja o Saci?”. O Mouzar cita as vantagens, conta sua história, suas prováveis origens. 

Esta é a opinião de alguém que ouviu histórias e que conta histórias. Conhece e repassa. 

Voz de pessoa invisível, alcançar a lua, andar pelo fundo dos mares, tudo, tudo são antigos sonhos humanos, ultrapassados pelas invenções. 

Os contos de encantamento têm duas vertentes: uma é o ato encantatório, diegético, isto é, dentro da história, quando o agente sobrenatural faz as metamorfoses e concede as benesses. Outra é trazer o êxtase, o enlevo para dentro das almas, porque transporta o ouvinte para um país mágico, em que o maravilhoso acontece. 

Essas acontecências miraculosas são simbólicas. Encobrem os desejos, as indagações, e trazem soluções também encobertas pelos símbolos. Os contos de encantamento obram, pois, outras maravilhas: sonhos do homem acordado, são também o aflorar do subconsciente, esse laboratório de alquimia da alma, onde cada um resolve os mistérios da sua própria vida. O viver continua encantado e miraculoso. E enigmático. E desconhecido. Contando às crianças os contos encantados nós as ajudaremos a solver os seus mistérios, sem choques e sem ansiedades. 

Ouvindo essas histórias de contar à noite, as crianças dormirão no embalo dos cavalos alados, de príncipes e princesas, do papagaio que virou gente, de madrinhas que transformam abóboras em carruagens. Trata-se de restos de ilusões do homem, que, nesta era tecnológica e maquinal, no seu sentido mais terrível, maquinático e maquinâmico, perdeu a fantasia e a capacidade de criar novos desejos. Elas vêm lentas, sutis, no sutil da noite maravilhosa. 

Transportam-nos para um outro mundo habitado por duendes e fantasmas, por espíritos bons, pelos Malasartes e bichos que falam, moças bonitas casadas com o rei dos peixes e com a Onça-Grande de pêlo fulvo, árvores que ajudam os viventes, jabutis que vão à festa do céu. Não há Lei. Não há Tempo. Coisa linda de se ouvir e de se viver. A empatia é tanta, que estamos tão do lado de lá quanto Alice no País dos Espelhos. Dá pena haver crianças que nunca ouviram casos narrados assim. 

A ancianeidade das histórias fala-nos de aceitação popular completa. E vêm de longe, mas adotadas e adaptadas são brasileiras, genuínas e espontâneas. Correm por aí (ainda, mas talvez não por muito tempo). Cumpriram e cumprem a contento a alta função principal das histórias: a de entreter. 

E, através do entretenimento, realizam, certamente, esta coisa extraordinária: predispõem-se ao amor do Bem, do Belo e do que é Nosso.

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