quinta-feira, 20 de fevereiro de 2014

Piolho - essa praga

Ruth Guimarães

Inseto da ordem dos Anaplura. A espécie que nos interessa é o chamado Pediculus Humanus, que produz os ovos popularmente denominados lêndeas, e que, reproduzindo-se escondido nos cabelos da cabeça, é de difícil extinção.

O piolho tem a característica singular, entre os animais, de ser ao mesmo tempo causador de algumas doenças e remédio para outras. Entre as doenças de que é considerado causa estão o tifo exantemático e a ftiríase. Consiste esta última na formação de placas hemorrágicas principiando na cabeça e espalhando-se por todo o corpo, acompanhadas de irritação da pele e coceira.

Houve e há muita coisa pavorosa neste mundo e não é dos horrores menores a doença atribuída a Lucius Cornelius Silla, general da Roma antiga, que, segundo Plutarco, tinha a carne corrompida, e o corpo todo numa podridão terrível. Arrebentavam-se-lhe pústulas pelo corpo e logo se enchiam de piolhos. Por mais que inúmeras pessoas o despiolhassem, e o banhassem, não conseguiam limpá-lo. Vê-se aí quão antiga é a lenda da invasão de piolhos, praga praticamente inextinguível. Diz-se do arcebispo de Cantuária, Thomas Beckett, que ao ser assassinado, suas vestes começaram a fervilhar de piolhos.

Calvino, o seco, o fanático, o execrado perseguidor de Miguel Servet, também chamado o ogro de Genebra, era uma criatura enfermiça. O povo conservou a lembrança de sua figura ascética, de olhos ardentes, de rosto anguloso. Quinze dias depois da sua morte, já se falava no castigo divino que o atingira: havia morrido de raiva, atado a uma estaca, como um cão danado, e não podendo morder outra coisa, mordia as próprias mãos e os próprios braços. Certo Surius, autor de uma História Universal, registrou que o heresiarca padecia de “morbo pediculares”, isto é, de uma invasão de piolhos. Como passou Calvino da hidrofobia ao morbo pediculares? É que dele se apoderou também a lenda negra. A doença rara aparece sempre como castigo de profanação e sacrilégios.

No populário consta que, se um piolhento morre, os insetos o abandonam assim que o corpo começa a esfriar. Se alguém pegar piolho de defunto, por mais que faça jamais se verá livre dessa praga. Também se afirma que, quando se cata piolho de alguém e se conta cada um que se mata, os piolhos aumentam.

Contam os historiadores que Felipe II, o Prudente, em cujos domínios o sol não se punha, morreu mais ou menos comido de piolhos. Sua doença foi descrita muitas vezes, mas continua sendo um mistério clínico. Com referência à sua agonia, publicaram-se testemunhos de Cervera de La Torre, e de frei Diego de Yepes, que foi seu confessor. Além de informações de autores estrangeiros, contamos com as publicações de frei José de Sigüenza, na terceira parte da sua Historia de la Orden de San Jerônimo, de Salazar de Mendonça em fins do século passado; e do clérigo Fernández Montana. Diz a lenda que a estranha moléstia se devia à maldição lançada pelos huguenotes contra o “demônio do Midi”.

Honório, segundo rei dos vândalos, depois de haver perseguido durante anos os ortodoxos, foi atacado pelos piolhos. De piolhos morreu igualmente Arnolfo, imperador da Alemanha e grande saqueador de templos, o que confirma a crença no castigo dado aos sacrílegos. De piolho, morreu Maximiano. De piolhos morreu Antioco Epifanes, o que lutou contra Macabeus.

Para acabar com o cabuloso parasita há várias práticas, principalmente na medicina mágica. Todas elas se constituem de condenação à morte. Quando se trata do parasita humano, como acabar com a praga dos mensaleiros e dos sanguessugas?

Afinal do que estou falando? De praga? De gente? De piolhos? Estão no Senado? Quem os colocou lá? De onde vieram?

Já se aventurou a hipótese da geração espontânea dos piolhos. Mas Pasteur destruiria tal mito, estabelecendo que esses e outros parasitas surgem do contágio prévio e nunca espontaneamente. Nem sequer os micróbios, ainda que infinitamente pequenos, nascerão no corpo humano, por si.

Todo animal que vive a expensas de outro é convidado. Pode ser mandado embora. Esta é a lei.

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